05 fevereiro 2012

Escadas


O menino do rio vivia com os pés nos chinelos gastos pela areia fina. Cantava músicas que ninguém conhecia, mas eram bem compostas e tinham todas um porquê de alucinação. Vibrava com a água-de-coco de todos os dias e sabia dizer-te porque é que um terramoto é uma das coisas mais belas do mundo. Tinha vários cães: os vadios lá da rua, cheios de carraças e com um cheiro a sal do mar com que ficavam depois de levá-los para a água morna de Janeiro. Sonhava com os cantores de voz quente que atuavam à sua frente em bares de luzes e empregados educadamente descontraídos e gostava de filmar o Sol para tentar guarda-lo dentro da máquina fotográfica.
 O menino do rio do primeiro mês arrastava os S's, meio aportuguesados e de uma língua preguiçosa e queimada. Para ele, Deus era a fogueira que iluminava a sua viola ou o Katrina, que tanta gente odiou. O diabo eram as buzinas dos carros e o vício dos seus primos mais novos que viciavam nos seus computadores.
 O menino do rio sabia que não era ninguém. Tinha algum desejo de ser alguém nem que fosse por uns dias, só para variar a sensação. Mas ser alguém podia ser muita responsabilidade para ele e preferia continuar a ouvir nos bares do costume os cantores que seriam conhecidos daqui a uns anos. As caipirinhas eram o seu facebook para conhecer novas pessoas. Por enquanto, continuaria de chinelos na cidade aguada do primeiro mês do ano, acariciando os cães vadios que também eram seus por serem do mundo.

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