20 setembro 2012

Lovely Beasts


Vivi a minha infância a crescer enquanto balançava de dente para dente, com os gigantes. Foi por estar sempre pendurado que os meus braços cresceram. Foi por ter crescido com os maiores que ainda hoje me chamam pequeno. Senti o chão quente da selva e bebi a água lamacenta em que nós brincávamos. Não faz só bem à pele deles. Já partimos dentes juntos e já dormi no colo deles porque eles queriam dormir no meu mas não cabiam. Competíamos para ver quem gritava mais alto. Aí, tornávamo-nos os reis da selva. Sentiamo-nos os reis do Mundo. E as mães olhavam para nós, indignadas e com calor, duvidando da minha influência sobre eles. Eles é que tiveram influência sobre mim. Éramos pequenos. Quando nos conhecemos, eu só de cuecas, criança pançuda com um gelado de água na mão, eu ainda era maior que eles. Lembro-me bem de uma certa altura em que éramos todos da mesma altura. Hoje, são todos maiores que eu. Talvez sejam até maiores que o amor que eu sinto por eles.
Repara-lhes na cara. Na maneira lenta e cansada de andar. São infinitos. Não só pelo tamanho, pela paciência que se lhes reflecte na cara, mostrando que têm a idade da Terra. São do tempo do Mundo. São monstros sensíveis, toneladas que distinguem as pedras em que pisam dos grãos de palma perdidos pelos comerciantes que têm medo de mim por não ter medo deles. Se calhar, somos mesmo o gang que pensávamos ser quando éramos crianças. Dormimos juntos, eu no colo deles, o mais novo zanga-se porque não entende que não consigo aguentar a tromba dele no meu colo. Tornei-me dentista-dos-lençóis, ao brincar-lhes com os dentes todas as noites. Tornei-me viajante ao ler-lhes o mapa rugoso que lhes ocupa toda a pele. Tornei-me no menino em que eles jorram água da tromba quando querem que tome banho.

1 comentário:

  1. Belas imagens da infância que fica quando a outras se alocam na memória do coração ainda fresco.

    Abraço.

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