07 agosto 2012

Ilvastor

Era bom poder ver o seu filho de novo: um homem calmo e pensativo, deitado de barriga para baixo na cama de casal barroca com a toalha a tapar as partes baixas do corpo acabado de vir do banho. Tinha cortado o cabelo, estava diferente. Estava até mais tonificado, uns ombros largos acompanhados de um pulso forte e veias dilatadas. Já não era há milhares de anos o que todos pintavam e adoravam nas igrejas e nos conventos. Ele observava, pensativo, as dezenas velas que sua mãe, desta vez Helena, colocara no seu quarto para recebê-lo. Pedira-lhe, assim que chegou, para tirar do quarto a televisão e o tablet: não queria saber dos fãs, que já sabiam que ele tinha regressado. 
  Asmodeu pegou na pouca alma que faltava a Ilvastor e entrou no quarto onde Salvador agora se deitava, chegado de montes que ninguém parecia conhecer. Sentou-se num cadeirão almofadado e gasto de velho e, a roer as unhas ponteagudas do corpo do demónio que dominara, observou o seu filho. Desta vez iria ser diferente: desta vez Salvador sabia de onde e para o que tinha vindo e aguardava a ordem do seu outro Pai para o revelar ao Mundo. Era ironia o grande rei do escuro sentir-se tão perto e estar tão distante do seu filho. Salvador não via Asmodeu desde que voltara a nascer, nem poderia vê-lo enquanto vivesse em carne: o seu outro Pai sempre teve mau feitio e decidiu assim fazê-lo. Mas Asmodeu aguardava que seu filho revelasse ao mundo o que era a verdadeira Santa Trindade, para poder voltar de uma vez por todas para perto dos seus pais.
  Controlava a vontade imensa de voltar a deitar-se sobre o seu filho e consumi-lo como dantes. Entrar dentro dele e sentir-lhe a saliva quente da sua boca. Ver o outro Pai a dominar-lhe a cabeça em movimentos repetitivos. Ter os braços daquele homem jovem a arranharem-lhe as costas ao entregar-se aos seus pais. Voltar a ter a sua cama partilhada entre os três. Mas por agora, o Salvador terá de aprazer-se com o seu amigo de infância, o filho de Simão de Queriote. Porque encontra-se distante dos seus pais. Porque a distância nem Deus supera.  As orgias terão de esperar.





3 comentários:

  1. A verdade é que tive de fazer uma pesquisa sobre quem era o Ilvastor e as outras personagens para compreender plenamente o texto. Adorei. Muito bom.

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  2. fiz como o Arrakis, Asmodeu já conhecia, agora o outro não. divinal! ok, humor negro. gostei. :)
    o book está bem entregue.
    bjs.

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